segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Cruzes voadoras

Uma pergunta que você começa a fazer a si mesmo é, ‘Será que nós seríamos a próxima civilização perdida?’. E eu penso que quando se olha para a nossa arrogância, nosso orgulho tecnológico, a crueldade e a depravação da civilização moderna, há um total desrespeito pelas tradições do passado. Nós de fato parecemos, em termos mitológicos, a próxima civilização perdida.
É o que as pirâmides me dizem. Que uma civilização pode alcançar um nível fantástico de avanço, e cair e ser esquecida, quase sem deixar vestígios de si, exceto por monumentos gigantescos que parecem emergir das névoas do passado, sem contexto ou antecedentes, apenas mistério puro e simples.
– Graham Hancock,

especialista em civilizações perdidas
em entrevista ao filme 10.000 a.C.


Cruzes voadoras
– Stella Carr



Texto extraído do livro Assombrassustos, de Stella Carr (Moderna, 1995).


A combinação de luzes coloridas do computador indica o código que eu devo usar. Aperto os botões com aquelas cores, e meu cartão magnético pula.
Pego o cartão e, seguindo os números, vou entrando pelos corredores do labirinto que é o prédio da escola. Em cada porta eu confiro a seqüência de cores. Se combinarem, eu introduzo o cartão e a porta se abre. Assim, os alunos novos como eu nunca se perdem, nem entram em salas erradas.
Os corredores pintados em branco-aluminizado lembram as paredes de antigos hospitais, do tempo em que as pessoas precisavam deles. Dizem que esses lugares eram tristes, sem cor, com pessoas doentes. Hoje isso já não existe, e os bancos de peças sobressalentes de agora são alegres e "arco-irisados". Já troquei um braço e duas pernas, mas ainda sou muito nova, e meu cérebro nunca foi transplantado.
Memórias preservadas em tubos de soluções químicas, extraídas dos cérebros mais geniais, são catalogadas e guardadas num laboratório especial da Área de Altos Estudos sobre Genes Humanos. Elas só são utilizadas em cursos de pós-graduação, depois de um exame para selecionar os alunos que estão num estágio bem avançado, a ponto de merecerem receber esse transplante de instrução extra. Nós, alunos comuns, temos que dar duro para aprender com o nosso próprio esforço e "agitar" os neurônios. O cérebro é como os músculos do corpo. Não pode ficar parado ou se atrofia.
A seta vermelha manda que eu siga à direita. Obedeço. É a primeira vez que entro numa estudoteca de classe superior. Fui aprovada nos testes e pude escolher minhas matérias. Optei pelo estudo-pesquisa de civilizações pré-atomianas.
Há muitas lendas sobre os tempos pré-atomianos, uma parte praticamente irrecuperável da Antigüidade – por causa da longa contaminação –, que acabou sendo totalmente soterrada nesses dois últimos milênios.
A mais incrível é a crença em "cruzes voadoras", que as pessoas supersticiosas ainda cultuam. Eram uma espécie de "pássaro de metal", com duas asas fixas. O objeto se movia numa só direção, e, dizem os esotéricos, era movido a jato. Alguns crentes mais fanáticos até afirmam que os modelos mais antigos tinham motores de pás nas asas, que rodavam com o vento.
É claro que os cientistas sérios riem disso. Como um objeto mais pesado que o ar poderia se manter suspenso, só rodando as pás com motores, em uma época que se desconhecia o controle molecular do magnetismo? Mas um pequeno grupo deles afirma que os pré-atomianos conseguiam isso e tinham esse tipo de veículo.
Eu não tenho preconceitos contra esses arquifísicos, e acho que tudo deve ser investigado. Por isso vou consultar uns disquetes figuro-sonoro-holográficos, que estão no arquivo morto, e já fora de uso, na sala especializada em historiografia pré-atomiana. Espero fazer alguma descoberta interessante!
O corredor da seta vermelha chegou ao fim. Abro a porta da sala com meu cartão-chave pessoal e me apresento ao mestre computador historiológico, digitando minha senha. Os botões luminosos me aceitam, confirmando meus horários. Terei aulas todos os dias.
Foi fácil conseguir vaga nesse setor. O estudo do passado não atrai muitos estudantes, são todos futuralistas. «Tudo o que existe, já se sabe», dizem, «está contido nos mestres computadores.» É só partir daí para as novas descobertas, e é tudo o que interessa.
O mestre computador historiológico é fantástico! Ele tem possibilidades quase infinitas de combinações para serem estudadas e cruzadas. Eu tenho aprendido coisas incríveis sobre os pré-atomianos. Parece que havia uma agressividade constante entre os povos daquele tempo, que se dividiam em pedaços separados de terra chamados "países", com linguagem, costumes e governos diferentes. Até fisicamente eles tinham uma estranha variedade de aparência, e chamavam isso de raças. Não controlavam o código genético, é a única explicação possível. Competiam entre eles (foi esse o termo usado pelo computador) e isso foi a provável causa da destruição geral.


Estou ficando fascinada pelos meus estudos. Mal saio da sala para me alimentar. Tenho descoberto coisas incríveis, cruzando dados do arquivo morto, e fico até com medo de falar sobre isso com meus colegas. Eles já me olham como um ser estranho, um desses fanáticos anticientistas, uma espécie de "charlatão" (o termo que eu encontrei no dicionário de palavras mortas armazenadas no mestre computador), e parece que se refere aos que enganam o povo com falsas ciências.
Enquanto eu não puder provar com minhas pesquisas arquiatomianas as minhas teorias sobre essa era, guardo segredo sobre os dados surpreendentes que achei.


Os pré-atomianos viviam em tubos furados de uma mistura estranha de tipos de material calcário esfarinhado, montado sobre um esqueleto de ferro. Chamavam a isso de "concreto armado". Diziam ser extremamente resistente. Eram enormes tubos, muito altos e cheios de furos, por onde entrava o ar contaminado. Isso porque a Terra tinha sido envenenada por todo tipo de poluição. O motivo de eles terem permitido isso é desconhecido. Parece ter havido um mau uso da natureza. Não existiam filtros purificadores automáticos como agora, e eles acabaram destruindo totalmente a flora e a fauna. Os pré-atomianos deviam ter uma inteligência muito pouco desenvolvida!
Outra informação que consta dessa era, e é difícil de acreditar, é que as pessoas passavam fome, não se instruíam, ficavam doentes e não faziam progresso. Tudo isso por causa da inexplicável troca de uma coisa a que eles davam o nome geral de "dinheiro". Ele não era real, e sim uma espécie de matemática fantasma, representada por alguma bugiganga de metal, bolinhas, continhas, ou seja lá o que fosse, ou números que os primitivos passavam de um computador para outro, e que umas pessoas tinham e outras não. A razão dessa confusa maneira de equilibrar a vida é desconhecida. Pessoas juntavam essa unidade fantasma, como crianças colecionam hologravuras, enquanto a vegetação e os animais morriam e as cidades se destruíam. E toda a civilização foi arrasada.
Um suicídio coletivo inexplicável! Se não foi algum tipo de ritual de alguma crença muito primária (dinheiro só podia ser um totem sagrado), está fora de nossa compreensão.
Isso tudo leva a uma avaliação de inteligência rudimentar e sem raciocínio lógico.
Que o povo dessa civilização brincou com o átomo, sem a mínima compreensão do potencial dele, está provado pela sua destruição.


Hoje fiz uma descoberta desconcertante. Os pré-atomianos tinham uma linguagem em código, de cerca de vinte e seis sinais, que se repetiam iguais em várias regiões do planeta, e que se ligavam em pequenos blocos desiguais em tamanho, formando tiras de caracteres. Parece que era um tipo de comunicação muito antiga e primitiva. Mas isso torna inegável que eles se entendiam de alguma forma mais evoluída do que apenas números e as tais bolinhas, continhas ou pedacinhos de metais.
Felizmente, tudo indica uma forma de linguagem que talvez possa ser decifrada e traduzida, tornando a arqueologia pré-atomiana um estudo sério, algo mais que uma coleção de lendas supersticiosas.


O mestre computador me indicou um lugar para escavações. A descoberta de um tipo de linguagem pré-atomiana estimulou o setor de altos estudos a levar adiante minha pesquisa, agora com todo o apoio e recursos necessários para penetrarmos nessa noite escura do passado.
Segundo velhíssimos registros, até hoje não considerados cientificamente, há uma lenda que fala de um tesouro de valor inestimável, o maior valor da civilização pré-atomiana. Algo que não tinha nada a ver com aquelas tais unidades de metaizinhos, bolinhas e continhas.
Parece que, sabendo que iam ser exterminados, alguns pré-atomianos quiseram deixar uma herança para as civilizações futuras. E escolheram um lugar para isso.
Assim, consegui reunir algumas pessoas curiosas como eu para me ajudarem nas escavações. Vou começar a escrever um diário de campo.






Diário de campo




Primeiro dia: As escavações começaram. Esse lugar foi abandonado por causa de radiações. Tivemos que usar roupas especiais para a pesquisa.


Segundo dia: Os robôs escavadores abriram a primeira camada de terra e rochas, mas não encontraram nada. Só cinzas, como se esperava. A radiação já devia ter se dispersado, depois de todos aqueles séculos, mas nós nos mantivemos à distância e trabalhamos por controle remoto. É um cuidado que já vem de gerações e faz parte de nossos hábitos em pesquisas.


Terceiro dia: Hoje encontramos uns tubos completamente fechados, numa profundidade de vinte metros. O nível de radioatividade era de “alerta”. Os robôs transportaram os tubos para um lugar seguro e os desirradiaram. Estamos esperando o período de quarentena para abri-los. O entusiasmo é enorme e contagiante, mas a ordem é obedecer e manter a prudência, e não há como desobedecer num caso desses.
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Trigésimo dia: Finalmente vamos abrir os tubos. Estamos tremendamente ansiosos para saber qual é o “maior tesouro, de valor inestimável” da extinta civilização pré-atomiana, a herança que eles nos legaram, que sobreviveu a toda a vida no planeta. É o que sobrou de uma humanidade inteira!


Trigésimo primeiro dia: Estamos muito confusos e desnorteados. É que dentro desses tubos, guardados por todos esses anos e tão cuidadosamente preservados, encontramos apenas uma enorme quantidade de quadrados de certa matéria frágil e extinta chamada "papel". Os quadrados são costurados e têm uma capa dura. Estão cheios de sinais indecifráveis.
Vou desenhar aqui os sinais que estão marcados no rótulo desses objetos:


Livros


Será que algum dia decifraremos estes sinais? Só aí saberemos porque eles foram preservados como um tesouro.