quarta-feira, 14 de maio de 2008

Foi assim que aconteceu (Isaac Asimov)

Foi assim que aconteceu
– Isaac Asimov
Texto extraído do livro Os Ventos da Mudança, de Isaac Asimov (Hemus, 1983).


Nem tudo que faço dá certo. Tinha em mente, em junho de 1978, escrever uma história cômica do mundo numa série de cenas engraçadas, principalmente porque imaginei o que me pareceu ser uma cena muito engraçada, para começar.
Desgraçadamente, a cena engraçada que imaginei para o começo foi a única cena engraçada que consegui desenvolver. Assim, desisti do projeto. Chamei ao começo do livro-que-não-saiu-da-panela “How it Happened”, ofereci-o a George Scithers, e foi publicado na Asfam na primavera de 1979.

Meu irmão começou a ditar, em seu melhor estilo oratório, aquele que mantém as tribos dependuradas em suas palavras.
– No princípio – dizia ele, – exatamente há quinze vírgula dois bilhões de anos, houve uma grande explosão, e o universo...
Mas parei de escrever. – Quinze bilhões de anos? – disse, incrédulo.
– Absolutamente certo – alegou ele. – Estou inspirado.
– Não estou questionando sua inspiração – disse eu. (Era melhor que não. Ele é três anos mais jovem que eu, mas não procuro questionar sua inspiração. Nem ninguém mais, ou já sabem o inferno que terão de agüentar.) – Mas você vai contar a história da Criação por um período de quinze bilhões de anos?
– Preciso – disse meu irmão. – Foi o tempo que levou. Tenho tudo aqui – e bateu em sua testa – a mais alta autoridade.
Mas eu já tinha pousado meu estilete. – Sabe quanto está custando o papiro?
– Quê? – (ele podia ser inspirado, mas freqüentemente notei que a inspiração não incluía assuntos sórdidos como o preço do papiro).
– Suponha que você descreva um milhão de anos de eventos em cada rolo de papiro. Isso quer dizer que você precisará de quinze mil rolos. Precisará falar o bastante para encher todos eles e sabe que vai começar a gaguejar, depois de algum tempo. Vou precisar escrever o suficiente para encher todos eles e meus dedos vão cair. E, mesmo que pudéssemos pagar todo esse papiro, e você tivesse a voz, e eu a força, quem vai copiar? Precisamos ter garantidas umas cem cópias antes de podermos publicar e, sem isso, de onde virão os nossos royalties?
Meu irmão pensou um pouco. – Acha que devo resumir?
– Bastante, se espera atingir o grande público.
– Que tal uns cem anos?
– Que tal seis dias?
Ele replicou, horrorizado: – Você não pode espremer toda a Criação em seis dias!
– É todo o papiro que tenho. O que você acha?
– Ora, está bem – e começou a ditar de novo: – No princípio... – Precisam ser seis dias, Arão?
E eu respondi, firme: – Seis dias, Moisés.