quarta-feira, 13 de maio de 2009

O Conto dos Três Irmãos

O Conto dos Três Irmãos

Texto extraído do livro Os Contos de Beedle, o Bardo, de J.K. Rowling (Rocco, 2008)

Era uma vez três irmãos que estavam viajando por uma estrada deserta e tortuosa ao anoitecer... Depois de algum tempo, os irmãos chegaram a um rio fundo demais para vadear e perigoso demais para atravessar a nado. Os irmãos, porém, eram versados em magia, então simplesmente agitaram as mãos e fizeram aparecer uma ponte sobre as águas traiçoeiras. Já estavam na metade da travessia quando viram o caminho bloqueado por um vulto encapuzado.
E a Morte falou. Estava zangada por terem lhe roubado três vítimas, porque o normal era os viajantes se afogarem no rio. Mas a Morte foi astuta. Fingiu cumprimentar os três irmãos por sua magia, e disse que cada um ganhara um prêmio por ter sido inteligente o bastante para lhe escapar.
Então, o irmão mais velho, que era um homem combativo, pediu a varinha mais poderosa que existisse: uma varinha que sempre vencesse os duelos para seu dono, uma varinha digna de um bruxo que derrotara a Morte! Ela atravessou a ponte e se dirigiu a uma árvore Anciã1, um vetusto sabugueiro na margem do rio, fabricou uma varinha de um galho da árvore e entregou-a ao irmão mais velho.
Então, o segundo irmão, que era um homem arrogante, resolveu humilhar ainda mais a Morte e pediu o poder de restituir a vida aos que ela levara. Então a Morte apanhou uma pedra da margem do rio e entregou-a ao segundo irmão, dizendo-lhe que a pedra tinha o poder de ressuscitar os mortos.
Então, a Morte perguntou ao terceiro e mais moço dos irmãos o que queria. O mais moço era o mais humilde e também o mais sábio dos irmãos, e não confiou na Morte. Pediu, então, algo que lhe permitisse sair daquele lugar sem ser seguido por ela. E a Morte, de má vontade, lhe entregou a própria Capa da Invisibilidade.
Então, a Morte se afastou para um lado e deixou os três irmãos continuarem viagem e foi o que eles fizeram, comentando, assombrados, a aventura que tinham vivido e admirando os presentes da Morte.
No devido tempo, os irmãos se separaram, cada um tomou um destino diferente.
O primeiro irmão viajou uma semana ou mais e, ao chegar a uma aldeia distante, procurou um colega bruxo com quem tivera uma briga. Armado com a varinha de sabugueiro, a Varinha das Varinhas, ele não poderia deixar de vencer o duelo que se seguiu. Deixando o inimigo morto no chão, o irmão mais velho dirigiu-se a uma estalagem, onde se gabou, em altas vozes, da poderosa varinha que arrebatara da própria Morte, e de que a arma o tornava invencível.
Na mesma noite, outro bruxo aproximou-se sorrateiramente do irmão mais velho enquanto dormia em sua cama, embriagado pelo vinho. O ladrão levou a varinha e, para se garantir, cortou a garganta do irmão mais velho.
Assim, a Morte levou o primeiro irmão.
Entrementes, o segundo irmão viajou para a própria casa, onde vivia sozinho. Ali, tomou a pedra que tinha o poder de ressuscitar os Mortos1 e virou-a três vezes na mão. Para sua surpresa e alegria, a figura de uma moça que tivera esperança de desposar antes de sua morte precoce surgiu instantaneamente diante dele. Contudo, ela estava triste e fria, como que separada dele por um véu. Embora tivesse retornado ao mundo dos mortais, seu lugar não era ali, e ela sofria. Diante disso, o segundo irmão, enlouquecido pelo desesperado desejo, matou-se para poder verdadeiramente se unir a ela.
Assim, a Morte levou o segundo irmão.
Embora a Morte procurasse o terceiro irmão durante muitos anos, jamais conseguiu encontrá-lo. Somente quando atingiu uma idade avançada foi que o irmão mais moço despiu a Capa da Invisibilidade e deu-a de presente ao filho. Acolheu, então, a Morte como uma velha amiga e acompanhou-a de bom grado, e, iguais, partiram desta vida.
 

NOTAS:
1 Estas "correções" foram feitas baseadas na edição manuscrita original, conforme a resenha da Amazon.com.
 

A moral de O Conto dos Três Irmãos não poderia ser mais clara: os esforços humanos para evadir ou superar a morte estão sempre fadados ao desapontamento. O terceiro irmão da história («o mais humilde e também o mais sábio») é o único que compreende isso, pois, tendo escapado uma vez da morte, por um triz, o melhor que poderia esperar era adiar o próximo encontro o máximo possível. O mais moço sabe que zombar da Morte – envolver-se em violência, como o primeiro irmão, ou ocupar-se da sombria arte da necromancia, como o segundo irmão – significa medir forças com um inimigo ardiloso que não pode perder. (...)
Em última análise, a busca pela Varinha das Varinhas corrobora uma observação que tive oportunidade de fazer muitas vezes no curso de minha longa vida: que os humanos têm um pendor para escolher precisamente as coisas que lhes fazem mal.
Qual de nós, porém, teria revelado a sabedoria do terceiro irmão, se lhe fosse oferecido escolher o melhor presente da Morte? Bruxos e trouxas são igualmente imbuídos de sede de poder; quantos teriam resistido à "Varinha do Destino"? Que ser humano, tendo perdido um ente amado, poderia resistir à tentação da Pedra da Ressurreição? Mesmo eu, Alvo Dumbledore, acharia mais fácil recusar a Capa da Invisibilidade; o que prova apenas que, esperto como sou, continuo sendo um bobalhão tão grande quanto os demais.
– Alvo Dumbledore