segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Cruzes voadoras

Uma pergunta que você começa a fazer a si mesmo é, ‘Será que nós seríamos a próxima civilização perdida?’. E eu penso que quando se olha para a nossa arrogância, nosso orgulho tecnológico, a crueldade e a depravação da civilização moderna, há um total desrespeito pelas tradições do passado. Nós de fato parecemos, em termos mitológicos, a próxima civilização perdida.
É o que as pirâmides me dizem. Que uma civilização pode alcançar um nível fantástico de avanço, e cair e ser esquecida, quase sem deixar vestígios de si, exceto por monumentos gigantescos que parecem emergir das névoas do passado, sem contexto ou antecedentes, apenas mistério puro e simples.
– Graham Hancock,

especialista em civilizações perdidas
em entrevista ao filme 10.000 a.C.


Cruzes voadoras
– Stella Carr



Texto extraído do livro Assombrassustos, de Stella Carr (Moderna, 1995).


A combinação de luzes coloridas do computador indica o código que eu devo usar. Aperto os botões com aquelas cores, e meu cartão magnético pula.
Pego o cartão e, seguindo os números, vou entrando pelos corredores do labirinto que é o prédio da escola. Em cada porta eu confiro a seqüência de cores. Se combinarem, eu introduzo o cartão e a porta se abre. Assim, os alunos novos como eu nunca se perdem, nem entram em salas erradas.
Os corredores pintados em branco-aluminizado lembram as paredes de antigos hospitais, do tempo em que as pessoas precisavam deles. Dizem que esses lugares eram tristes, sem cor, com pessoas doentes. Hoje isso já não existe, e os bancos de peças sobressalentes de agora são alegres e "arco-irisados". Já troquei um braço e duas pernas, mas ainda sou muito nova, e meu cérebro nunca foi transplantado.
Memórias preservadas em tubos de soluções químicas, extraídas dos cérebros mais geniais, são catalogadas e guardadas num laboratório especial da Área de Altos Estudos sobre Genes Humanos. Elas só são utilizadas em cursos de pós-graduação, depois de um exame para selecionar os alunos que estão num estágio bem avançado, a ponto de merecerem receber esse transplante de instrução extra. Nós, alunos comuns, temos que dar duro para aprender com o nosso próprio esforço e "agitar" os neurônios. O cérebro é como os músculos do corpo. Não pode ficar parado ou se atrofia.
A seta vermelha manda que eu siga à direita. Obedeço. É a primeira vez que entro numa estudoteca de classe superior. Fui aprovada nos testes e pude escolher minhas matérias. Optei pelo estudo-pesquisa de civilizações pré-atomianas.
Há muitas lendas sobre os tempos pré-atomianos, uma parte praticamente irrecuperável da Antigüidade – por causa da longa contaminação –, que acabou sendo totalmente soterrada nesses dois últimos milênios.
A mais incrível é a crença em "cruzes voadoras", que as pessoas supersticiosas ainda cultuam. Eram uma espécie de "pássaro de metal", com duas asas fixas. O objeto se movia numa só direção, e, dizem os esotéricos, era movido a jato. Alguns crentes mais fanáticos até afirmam que os modelos mais antigos tinham motores de pás nas asas, que rodavam com o vento.
É claro que os cientistas sérios riem disso. Como um objeto mais pesado que o ar poderia se manter suspenso, só rodando as pás com motores, em uma época que se desconhecia o controle molecular do magnetismo? Mas um pequeno grupo deles afirma que os pré-atomianos conseguiam isso e tinham esse tipo de veículo.
Eu não tenho preconceitos contra esses arquifísicos, e acho que tudo deve ser investigado. Por isso vou consultar uns disquetes figuro-sonoro-holográficos, que estão no arquivo morto, e já fora de uso, na sala especializada em historiografia pré-atomiana. Espero fazer alguma descoberta interessante!
O corredor da seta vermelha chegou ao fim. Abro a porta da sala com meu cartão-chave pessoal e me apresento ao mestre computador historiológico, digitando minha senha. Os botões luminosos me aceitam, confirmando meus horários. Terei aulas todos os dias.
Foi fácil conseguir vaga nesse setor. O estudo do passado não atrai muitos estudantes, são todos futuralistas. «Tudo o que existe, já se sabe», dizem, «está contido nos mestres computadores.» É só partir daí para as novas descobertas, e é tudo o que interessa.
O mestre computador historiológico é fantástico! Ele tem possibilidades quase infinitas de combinações para serem estudadas e cruzadas. Eu tenho aprendido coisas incríveis sobre os pré-atomianos. Parece que havia uma agressividade constante entre os povos daquele tempo, que se dividiam em pedaços separados de terra chamados "países", com linguagem, costumes e governos diferentes. Até fisicamente eles tinham uma estranha variedade de aparência, e chamavam isso de raças. Não controlavam o código genético, é a única explicação possível. Competiam entre eles (foi esse o termo usado pelo computador) e isso foi a provável causa da destruição geral.


Estou ficando fascinada pelos meus estudos. Mal saio da sala para me alimentar. Tenho descoberto coisas incríveis, cruzando dados do arquivo morto, e fico até com medo de falar sobre isso com meus colegas. Eles já me olham como um ser estranho, um desses fanáticos anticientistas, uma espécie de "charlatão" (o termo que eu encontrei no dicionário de palavras mortas armazenadas no mestre computador), e parece que se refere aos que enganam o povo com falsas ciências.
Enquanto eu não puder provar com minhas pesquisas arquiatomianas as minhas teorias sobre essa era, guardo segredo sobre os dados surpreendentes que achei.


Os pré-atomianos viviam em tubos furados de uma mistura estranha de tipos de material calcário esfarinhado, montado sobre um esqueleto de ferro. Chamavam a isso de "concreto armado". Diziam ser extremamente resistente. Eram enormes tubos, muito altos e cheios de furos, por onde entrava o ar contaminado. Isso porque a Terra tinha sido envenenada por todo tipo de poluição. O motivo de eles terem permitido isso é desconhecido. Parece ter havido um mau uso da natureza. Não existiam filtros purificadores automáticos como agora, e eles acabaram destruindo totalmente a flora e a fauna. Os pré-atomianos deviam ter uma inteligência muito pouco desenvolvida!
Outra informação que consta dessa era, e é difícil de acreditar, é que as pessoas passavam fome, não se instruíam, ficavam doentes e não faziam progresso. Tudo isso por causa da inexplicável troca de uma coisa a que eles davam o nome geral de "dinheiro". Ele não era real, e sim uma espécie de matemática fantasma, representada por alguma bugiganga de metal, bolinhas, continhas, ou seja lá o que fosse, ou números que os primitivos passavam de um computador para outro, e que umas pessoas tinham e outras não. A razão dessa confusa maneira de equilibrar a vida é desconhecida. Pessoas juntavam essa unidade fantasma, como crianças colecionam hologravuras, enquanto a vegetação e os animais morriam e as cidades se destruíam. E toda a civilização foi arrasada.
Um suicídio coletivo inexplicável! Se não foi algum tipo de ritual de alguma crença muito primária (dinheiro só podia ser um totem sagrado), está fora de nossa compreensão.
Isso tudo leva a uma avaliação de inteligência rudimentar e sem raciocínio lógico.
Que o povo dessa civilização brincou com o átomo, sem a mínima compreensão do potencial dele, está provado pela sua destruição.


Hoje fiz uma descoberta desconcertante. Os pré-atomianos tinham uma linguagem em código, de cerca de vinte e seis sinais, que se repetiam iguais em várias regiões do planeta, e que se ligavam em pequenos blocos desiguais em tamanho, formando tiras de caracteres. Parece que era um tipo de comunicação muito antiga e primitiva. Mas isso torna inegável que eles se entendiam de alguma forma mais evoluída do que apenas números e as tais bolinhas, continhas ou pedacinhos de metais.
Felizmente, tudo indica uma forma de linguagem que talvez possa ser decifrada e traduzida, tornando a arqueologia pré-atomiana um estudo sério, algo mais que uma coleção de lendas supersticiosas.


O mestre computador me indicou um lugar para escavações. A descoberta de um tipo de linguagem pré-atomiana estimulou o setor de altos estudos a levar adiante minha pesquisa, agora com todo o apoio e recursos necessários para penetrarmos nessa noite escura do passado.
Segundo velhíssimos registros, até hoje não considerados cientificamente, há uma lenda que fala de um tesouro de valor inestimável, o maior valor da civilização pré-atomiana. Algo que não tinha nada a ver com aquelas tais unidades de metaizinhos, bolinhas e continhas.
Parece que, sabendo que iam ser exterminados, alguns pré-atomianos quiseram deixar uma herança para as civilizações futuras. E escolheram um lugar para isso.
Assim, consegui reunir algumas pessoas curiosas como eu para me ajudarem nas escavações. Vou começar a escrever um diário de campo.






Diário de campo




Primeiro dia: As escavações começaram. Esse lugar foi abandonado por causa de radiações. Tivemos que usar roupas especiais para a pesquisa.


Segundo dia: Os robôs escavadores abriram a primeira camada de terra e rochas, mas não encontraram nada. Só cinzas, como se esperava. A radiação já devia ter se dispersado, depois de todos aqueles séculos, mas nós nos mantivemos à distância e trabalhamos por controle remoto. É um cuidado que já vem de gerações e faz parte de nossos hábitos em pesquisas.


Terceiro dia: Hoje encontramos uns tubos completamente fechados, numa profundidade de vinte metros. O nível de radioatividade era de “alerta”. Os robôs transportaram os tubos para um lugar seguro e os desirradiaram. Estamos esperando o período de quarentena para abri-los. O entusiasmo é enorme e contagiante, mas a ordem é obedecer e manter a prudência, e não há como desobedecer num caso desses.
___


Trigésimo dia: Finalmente vamos abrir os tubos. Estamos tremendamente ansiosos para saber qual é o “maior tesouro, de valor inestimável” da extinta civilização pré-atomiana, a herança que eles nos legaram, que sobreviveu a toda a vida no planeta. É o que sobrou de uma humanidade inteira!


Trigésimo primeiro dia: Estamos muito confusos e desnorteados. É que dentro desses tubos, guardados por todos esses anos e tão cuidadosamente preservados, encontramos apenas uma enorme quantidade de quadrados de certa matéria frágil e extinta chamada "papel". Os quadrados são costurados e têm uma capa dura. Estão cheios de sinais indecifráveis.
Vou desenhar aqui os sinais que estão marcados no rótulo desses objetos:


Livros


Será que algum dia decifraremos estes sinais? Só aí saberemos porque eles foram preservados como um tesouro.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Jesus e os adoradores

Jesus e os adoradores


Texto extraído do livro O Jesus Muçulmano, organizado por Tarif Khalidi (Imago, 2001), história #159

1 Conta-se de Jesus que ele certa vez encontrou um grande grupo de adoradores que haviam murchado de tanto adorar, como gastas bolsas d'água. “Quem sois vós?”, ele perguntou. “Somos adoradores”, responderam. “Por que adorais?”, ele perguntou. Eles responderam: “Deus nos pôs o medo do inferno, e ficamos com medo.” Então ele disse: “Cabe a Deus salvar-vos do que temeis.”2 Depois passou por eles e encontrou outros que eram adoradores. Perguntou: “Por que adorais?”, e eles responderam: “Deus nos deu o desejo do paraíso e do que Ele preparou lá para Seus amigos.” Então disse Jesus: “Cabe a Deus dar-vos o que esperais.2 Depois passou por eles e encontrou outros que estavam adorando e disse: “Quem sois vós?” Eles disseram: “Somos amantes de Deus. Nós O adoramos não por medo do inferno nem por desejo do paraíso, mas por amor a Ele e para Sua maior glória.” Então disse Jesus: “Sois verdadeiramente os amigos de Deus, e foi convosco que me mandaram viver.” E residiu entre eles.

NOTAS:
1 Uma frase que considerei inadequada, presente no texto original traduzido por Khalidi, foi aqui excluída: «Disse Jesus: “O amante de Deus adora o sofrimento.”»
2
N.T.: Em outra versão, divulga-se que ele disse aos primeiros dois grupos: “É uma coisa o que temeis/amais”, e ao terceiro grupo: “Sois verdadeiramente os mais próximos de Deus.”


Amar a Deus desinteressadamente, nem por medo do inferno nem por desejo do paraíso, era um sentimento atribuído aos primeiros sufistas – por exemplo, a famosa rabina mística Rabi‘a al-‘Adawiyya (c. 801 A.D.), que foi vista andando pelas ruas de Bagdá com um balde d'água numa mão e uma tocha acesa na outra. Quando lhe perguntaram por que fazia aquilo, ela respondeu: “Quero apagar os fogos do inferno com a água e arrasar o paraíso com a tocha, para que as pessoas possam vir a amar Deus desinterassadamente, nem por medo de um nem por desejo de outro.”
– Tarif Khalidi




Mais informações sobre Rabi‘a al-‘Adawiyya e um curto e belo poema de sua autoria (diretamente relacionado ao tema) podem ser lidos, respectivamente, aqui e aqui.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Foi assim que aconteceu (Isaac Asimov)

Foi assim que aconteceu
– Isaac Asimov
Texto extraído do livro Os Ventos da Mudança, de Isaac Asimov (Hemus, 1983).


Nem tudo que faço dá certo. Tinha em mente, em junho de 1978, escrever uma história cômica do mundo numa série de cenas engraçadas, principalmente porque imaginei o que me pareceu ser uma cena muito engraçada, para começar.
Desgraçadamente, a cena engraçada que imaginei para o começo foi a única cena engraçada que consegui desenvolver. Assim, desisti do projeto. Chamei ao começo do livro-que-não-saiu-da-panela “How it Happened”, ofereci-o a George Scithers, e foi publicado na Asfam na primavera de 1979.

Meu irmão começou a ditar, em seu melhor estilo oratório, aquele que mantém as tribos dependuradas em suas palavras.
– No princípio – dizia ele, – exatamente há quinze vírgula dois bilhões de anos, houve uma grande explosão, e o universo...
Mas parei de escrever. – Quinze bilhões de anos? – disse, incrédulo.
– Absolutamente certo – alegou ele. – Estou inspirado.
– Não estou questionando sua inspiração – disse eu. (Era melhor que não. Ele é três anos mais jovem que eu, mas não procuro questionar sua inspiração. Nem ninguém mais, ou já sabem o inferno que terão de agüentar.) – Mas você vai contar a história da Criação por um período de quinze bilhões de anos?
– Preciso – disse meu irmão. – Foi o tempo que levou. Tenho tudo aqui – e bateu em sua testa – a mais alta autoridade.
Mas eu já tinha pousado meu estilete. – Sabe quanto está custando o papiro?
– Quê? – (ele podia ser inspirado, mas freqüentemente notei que a inspiração não incluía assuntos sórdidos como o preço do papiro).
– Suponha que você descreva um milhão de anos de eventos em cada rolo de papiro. Isso quer dizer que você precisará de quinze mil rolos. Precisará falar o bastante para encher todos eles e sabe que vai começar a gaguejar, depois de algum tempo. Vou precisar escrever o suficiente para encher todos eles e meus dedos vão cair. E, mesmo que pudéssemos pagar todo esse papiro, e você tivesse a voz, e eu a força, quem vai copiar? Precisamos ter garantidas umas cem cópias antes de podermos publicar e, sem isso, de onde virão os nossos royalties?
Meu irmão pensou um pouco. – Acha que devo resumir?
– Bastante, se espera atingir o grande público.
– Que tal uns cem anos?
– Que tal seis dias?
Ele replicou, horrorizado: – Você não pode espremer toda a Criação em seis dias!
– É todo o papiro que tenho. O que você acha?
– Ora, está bem – e começou a ditar de novo: – No princípio... – Precisam ser seis dias, Arão?
E eu respondi, firme: – Seis dias, Moisés.

terça-feira, 22 de abril de 2008

BЯ - Mateus 3.13―4.11 – O batismo e a provação de Jesus

BЯ - Mateus 3.13―4.11 (v.tb. Marcos 1.9-13 / Lucas 3.21-22;4.1-13) – O batismo e a provação de Jesus
O batismo de Jesus
13 Jesus veio da Galiléia ao Jordão para ser batizado por João. 14 João, porém, tentou impedi-lo, dizendo: “Isto não faz o menor sentido! Eu é que preciso ser batizado por você, e não o contrário!”
15 Mas Jesus lhe respondeu: “É assim que tem que ser agora. Agora é o momento para nos apegarmos às regras, para que Deus possa livrar as pessoas delas para sempre.” Afinal, João concordou.
16 Assim que Jesus foi mergulhado na água e saiu dela, enquanto estava orando, eis que se lhe abriram os Céus e ele viu o Espírito de Deus a descer sobre ele, como uma pomba.
17 E eis uma Voz dos Céus, que dizia: “Muito bom, Filhão! É assim que se faz!”

Interlúdio
1
I Os anjos estavam nos Céus com o Eterno
2 a observar toda a cena, quando Satanás intrometeu-se no meio deles. II Então o Eterno perguntou a Satanás: “De onde você vem?”
“Tava dando umas voltas por aí”, foi a resposta.
III Disse então o Eterno a Satanás: “Então você deve ter reparado no Meu Filho Jesus. Ele Me ama e respeita, e se preocupa em obedecer e cumprir cada um dos Meus mandamentos.”
IV “Tá bom! Assim é fácil”, respondeu Satanás. V “Você o fez ter o nascimento dos humanos – mas, anunciado por um coro de anjos e paparicado por uma comitiva real de pastores e doutores ricaços do Oriente – e, agora, no batismo dele, Você dá um show de efeitos especiais! VI Queria só ver se ele tivesse mesmo que ser humano – sentir na pele o que é ser mortal!”
VII O Eterno disse a Satanás: “Pois bem! Vá em frente, teste-o. Mas nele você não tocará.”
Então Satanás saiu da presença do Eterno.

A provação de Jesus
1 Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser testado pelo Diabo. 2 Depois de ficar apenas na companhia de animais e se abster de comer por seis semanas e meia, ele estava, obviamente, num estado de fome extrema 3 – que o Diabo usou como vantagem em seu primeiro teste: “Hummm... que fome, não? Aquela pedra... não parece um belo pãozinho? Você não pode fazê-la virar um delicioso sanduíche?”
4 Jesus, porém, respondeu: “Está no Livro
3: «Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus».”
5 Então o Diabo levou-o à avenida mais movimentada de uma grande metrópole, na hora do rush. Ele lhe disse: 6 “Que tal provar pra todo mundo que você é o Filho de Deus? Vá para a o meio da pista. Imagine só: carros passando através de você, caminhões sendo paralisados com um movimento de seus dedos – uma cena digna de Hollywood! Também está na Bíblia que «o sangue de Jezabel espirrou na parede, e Jeú a atropelou»; você acha mesmo que Deus o deixaria o morrer do mesmo jeito que a pior rainha que Israel já conheceu?”
7 Jesus lhe respondeu: “E também está no Livro: «Não ouse tentar o Eterno teu Deus».”
8 Para o teste final, o Diabo conduziu-o através de templos, catedrais, mosteiros e santuários, todos cheios de muitas pessoas realizando os mais diversos rituais religiosos. 9 E ele lhe disse: “Há uma maneira de salvar toda essa gente – é o que você quer, não é? Basta dizer a elas que você não é o único caminho para Deus (ou seja lá o que for), é só seguir as coisas boas que você falou. Afinal, Jesus, estamos na era do ecumenismo!”
10 “Saia daqui , Satanás!”, Jesus ordenou. “Está no Livro: «Não podeis servir a dois senhores», e «um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus».”
11 O teste havia acabado – por enquanto. Então o Diabo o deixou, e eis que vieram anjos e o serviram.



NOTAS:
1 este Interlúdio, obviamente, não faz parte de nenhum dos quatro evangelhos canônicos, mas é, na verdade, um enxerto vindo de outro livro bíblico. Leia os comentários a seguir para mais explicações.
2Eterno = as traduções em português da Bíblia, em sua maioria, traduzem o tetragrama (יהוה, YHWH, o nome santo de Deus) como "Senhor" (provavelmente por influência do inglês "Lord"). A já extinta Bíblia na Linguagem de Hoje
(Sociedade Bíblica do Brasil, 1988) ousou fugir à regra e propôs a tradução “Eterno”, mais próxima do sentido original do termo; a moda não pegou, mas esta tradução alternativa foi restaurada aqui.
3 “está no Livro” = no original bíblico, γέγραπται, "está [definitivamente] escrito", ou "está nas Escrituras", ou simplesmente, "está na Bíblia". Optou-se aqui por essa citação levemente mais velada; citar a Bíblia como ‘o Livro’,
الكتاب, é uma velha tradição muçulmana (cf. Alcorão 2.113; a referência ocorre principalmente dentro da expressão أهل الكتاب, “povo do Livro”; o termo também pode referir-se ao próprio Alcorão, de acordo com o contexto).


A origem deste trecho teve três fases. Num primeiro momento, ocorreu-me a idéia de recontar a provação de Jesus (segundo o Pe. Luís Alonso Schökel, autor da Bíblia do Peregrino, Paulus, 2000, o termo "tentação" é inadequado aqui) dando uma pontada na crescente onda ecumênica e recriando a cena do “Pule daqui de cima” numa megalópole – onde, convenhamos, poucos ligam para templos. Numa segunda instância, tentei aproveitar a interessante leitura da Good As New (O Books, 2004), uma recente e impressionante (mas nem sempre boa) paráfrase do Novo Testamento de John Henson, em que Deus, no batismo de Jesus, diz-lhe: “Este é o Meu garoto! Você está indo bem!”; isto tira um pouco daquela imagem (talvez excessivamente) solene, e acrescenta um tom realmente paterno à voz do Pai. Terceiro... bem, sempre soou um bocado estranho para mim que Jesus, fosse batizado e, de uma hora pra outra, levado para ser testado pelo Diabo em pessoa; claro, a resposta tradicional diz que tão logo Jesus iniciasse o seu ministério (no batismo), as dificuldades já apareceriam, e começavam a prepará-lo para o todo o resto; pensei que, talvez, uma inserção apócrifa do livro de no meio do Evangelho pudesse trazer uma visão nova ao texto.

terça-feira, 15 de abril de 2008

BЯ - João 3.1-21 – O encontro de Jesus com Buda



- João 3.1-21 O encontro de Jesus com Buda

1 Havia um príncipe indiano chamado Sidarta Gautama, o Buda, fundador de uma das maiores religiões do mundo. 2 Ele veio a Jesus, à noite, e disse: “Jesus, percebo que seus ensinamentos são muito importantes para este povo, pois você certamente irá conduzir essas pessoas à iluminação.”
3 Em resposta Jesus declarou: “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode chegar-se à verdadeira Luz se não renascer.”
4 Disse Buda: “Sim, é exatamente o que eu digo! O contínuo ciclo de renascimentos é o caminho para se alcançar a divindade.”
5 Respondeu Jesus: “Tsc, tsc. Permita-me falar de novo. Ninguém pode chegar-se a Deus, se não nascer da água e do Espírito. 6 Nascer novamente como alguém igual às outras pessoas significa que você provavelmente irá cometer os mesmos erros – tudo de novo – como as outras pessoas; nascer do Espírito significa que o seu espírito receberá uma natureza nova e poderá experimentar uma mudança substancial. 7 Por favor, não confunda o que eu disse com ‘nascer de novo’ com uma mera sucessão de vidas; todos precisam renascer do Espírito – até você! 8 Assim como você pode ouvir o vento sussurrando entre as árvores, mas não faz a menor idéia de onde ele vem ou para onde ele vai, assim também não se pode explicar como um homem nasce do sopro do Espírito.”
9 Perguntou Buda: “Como assim? Que ‘Espírito’ é esse de que você tanto fala? Como é que isso acontece?”
10 Perguntou Jesus: “Você é o fundador de uma religião seguida por milhões no mundo todo, e não entende essas coisas? 11 Eu posso lhe garantir, estou falando de algo que realmente conheço, e não de uma mera dedução – mas parece que, para você, isto ainda não é o bastante. 12 Eu ainda estou usando uma linguagem light, estou falando de homem para homem; se nem assim conseguimos nos entender direito, como vai ser quando eu começar a falar de Deus para homem? 13 Na verdade, ninguém jamais foi elevado até a divindade, exceto aquele que é divino: o Filho de Deus. 14 Como um certo filósofo alemão ænunciou, é necessário gritar ‘Deus morreu!’, 15 para que todos percebam que esta morte é o único caminho que conduz à vida verdadeira e infinda.
16 “Isto é o quanto Deus amou a humanidade: Deus enfrentou a morte de frente para que quem quiser crer nisso possa ter a vida eterna, e não ficar a morrer eternamente. 17 Deus não desceu à terra para enfiar o dedo na cara das pessoas, dizendo como elas são más – Ele veio para colocar a roda do mundo
1 nos eixos, através do Seu Filho. 18 Todo aquele que colocar sua confiança nEle é liberto; todo aquele que se recusa a confiar nEle já está sob sentença de morte – eterna – sem nem sequer desconfiar disso. Tudo depende apenas de reconhecer e crer em Deus quando Ele já disse que quer salvá-lo. 19 E este é o X da questão: a iluminação desceu dos Céus ao mundo, mas as pessoas escolheram as trevas, porque as suas ações – que, segundo você, seriam a fonte da salvação delas – as suas ações eram más. 20 Aquele que pratica e vive o mal detesta a luz, temendo dissolver-se em pó quando todos virem quem ele realmente é. 21 Mas aquele que pratica e vive a Verdade abraça a Luz de Deus, para mostrar claramente que as suas boas ações vêm de Deus e para Deus.

NOTAS:
1 “roda do mundo” = o termo foi aqui adaptado da palavra sânscrita भवचक्र, "Roda da Existência", originalmente associada ao ciclo contínuo de reencarnação/renascimento (संसार, samsāra). Aqui, a expressão, via gíria do português brasileiro ("colocar nos eixos"), dá a entender o ciclo de pecado em que a humanidade se encontra.

A Bíblia Яecontada – BЯ


‘Por que o espanto? Apareci para eles usando mantos porque eles usavam mantos. Apareci para você usando jeans porque você usa jeans.’
– Laurie Beth Jones (Jesus de Jeans, Butterfly, 2002)
ˇ
Olá mais uma vez. Eu e meu amigo humano vínhamos conversando, certa tarde, sobre religião – e ele citou um dado interessante e bizarro que eu desconhecia: que o livro sagrado da religião com o maior número de seguidores de seu mundo é o mais vendido dos livros humanos, embora este fato não esteja de forma alguma relacionado à leitura ou à prática dos ensinos contidos no tal livro. Partindo disso, decidimos iniciar um pequeno projeto conjunto,tanto reunindo quanto produzindo releituras contemporâneas do livro que tentem resgatar algumas das suas idéias originais – ou que apresentem idéias originais. Esta seção de minhas memórias será dedicada a isto. Boa leitura! (Hmmm... como era mesmo o nome do livro? “Briga”? Não, era algo com ‘bl’... “Blablá”? Não, não... Ah, sim! Era “Bíblia”.)

(Hem... pessoalmente, acho o que vem a seguir desnecessário, mas o humano insistiu que fosse colocado juntamente com o parágrafo anterior. Bem... como só ele consegue digitar nestes malditos teclados gigantes e não eu...) Os materiais apresentados a seguir não constituem, de forma alguma, uma nova “tradução” da Bíblia, e talvez nem mesmo uma paráfrase em sentido estrito – embora, sempre que possível, os textos originais (grego, hebraico e aramaico) sejam consultados. Nem todos os textos são de nossa autoria; alguns são meras traduções ou adaptações de textos produzidos e publicados por outras pessoas. Este projeto – daqui por diante designado como
A Bíblia Яecontada – BЯ (lê-se “bê ya”) – tem como único objetivo fazer a Bíblia “re-suscitar” – re-suscitar, num contexto contemporâneo, os mesmos questionamentos e o senso de admiração que já vem despertando há tantos séculos. Os autores esperam que tais “hipérfrases” do texto bíblico ajudem na compreensão do livro mais vendido e menos compreendido da História. Soli Deo gloria.